quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Mario Benedetti


SOU MEU HÓSPEDE

Sou meu hóspede noturno 
em doses mínimas 
e uso a noite
para despojar-me 
da modéstia 
e outras vaidades
procuro ser tratado
sem os prejuízos 
das boas-vindas
e com as cortesias
do silêncio
não coleciono padeceres
nem os sarcasmos 
que deixam marca
sou tão-só
meu hóspede
e trago uma pomba
que não é sinal de paz
mas sim pomba
como hóspede 
estritamente meu
no quadro-negro da noite 
traço uma linha
branca
      (De La Vida ese Parentesis)



quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Vinicius de Moraes


Soneto de Fidelidade

De tudo, ao meu amor serei atento
Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento

Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento

E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa lhe dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure





THIAGO DE MELLO


Arte de amar

Não faço poemas como quem chora,

nem faço versos como quem morre.

Quem teve esse gosto foi o bardo Bandeira

quando muito moço; achava que tinha 

os dias contados pela tísica

e até se acanhava de namorar.



Faço poemas como quem faz amor.

É a mesma luta suave e desvairada

enquanto a rosa orvalhada

se vai entreabrindo devagar.

A gente nem se dá conta, até acha bom,

 o imenso trabalho que amor dá para fazer.



Perdão, amor não se faz.

Quando muito,  se desfaz.

Fazer amor é um dizer

(a metáfora é falaz)

de quem pretende vestir

com roupa austera a beleza

do corpo da primavera.

 O verbo exato é foder.

A palavra fica nua

para todo mundo ver

o corpo amante cantando

a glória do seu poder.





Thiago de Mello


 A rosa branca

Não me inquieta se o caminho

que me coube - por secreto

desígnio - jamais floresce.

Dentro de mim, sei que existe,

oculta, uma rosa branca.

Incólume rosa. E branca.



Não pude colhê-la: mal

nascera e logo perdi-me

nos labirintos do tempo,

onde desde então pervago

apenas  entressonhando

aquilo que sou - e vive

no recôncavo da rosa.



Sem conhecer-me, padeço

o mistério de existir

em amargo desencontro

comigo mesmo. No entanto,

pesar tão largo se apaga

quando pressinto: na rosa,

mistério não há. Nenhum.

Sem medo de trair-me a face,

posso morrer amanhã.

Extinto o jugo do tempo,

olhos nem boca haverá

- para a queixa e para a lágrima -

se em vez de rosa, de pétala

cinza de pétala, apenas

existir a escuridão.

O vazio. Nada mais.

Vinicius de Moraes


Soneto de Separação

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto

De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama

De repente não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo, distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente

terça-feira, 5 de agosto de 2014

Carlos Drummond de Andrade

Ausência

Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência, essa ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.

Castro Alves

O Navio Negreiro
(Tragédia no mar)


'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço
Brinca o luar — dourada borboleta;
E as vagas após ele correm... cansam
Como turba de infantes inquieta.


'Stamos em pleno mar... Do firmamento
Os astros saltam como espumas de ouro...
O mar em troca acende as ardentias,
— Constelações do líquido tesouro...


'Stamos em pleno mar... Dois infinitos
Ali se estreitam num abraço insano,
Azuis, dourados, plácidos, sublimes...
Qual dos dous é o céu? qual o oceano?...


'Stamos em pleno mar. . . Abrindo as velas
Ao quente arfar das virações marinhas,
Veleiro brigue corre à flor dos mares,
Como roçam na vaga as andorinhas...


Donde vem? onde vai? Das naus errantes
Quem sabe o rumo se é tão grande o espaço?
Neste saara os corcéis o pó levantam,
Galopam, voam, mas não deixam traço.


Bem feliz quem ali pode nest'hora
Sentir deste painel a majestade!
Embaixo — o mar em cima — o firmamento...
E no mar e no céu — a imensidade!


Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!
Que música suave ao longe soa!
Meu Deus! como é sublime um canto ardente
Pelas vagas sem fim boiando à toa!


"Thiago y Santiago", poema de Pablo Neruda dedicado a Thiago de Mello





Thiago, a Santiago, como un vago mago,
has encantado en canto y poesía.
Sin San, has hecho de Santiago, Thiago,
un volantin de tu pajarería.

Al Este y al Oeste de Santiago
diste el Norte y el Sur de tu alegría.
Muchos dones nos diste, un solo estrago:
llevaste el corazón de Anamaría.

Te perdonamos porque com tu bella,
de rosa en rosa y de estrella en estrella,
te llamará el Brasil a su desfile.

Te irás, hermano, com la que elegistes. 
Tendrás razón, pero estaremos tristes,
que hará Santiago sin Thiago de Chile.


Crédito/Fonte: BLOG DO ALTINO MACHADO

Castro Alves


AMAR E SER AMADO

Amar e ser amado! Com que anelo
Com quanto ardor este adorado sonho
Acalentei em meu delírio ardente
Por essas doces noites de desvelo!
Ser amado por ti, o teu alento
A bafejar-me a abrasadora frente!
Em teus olhos mirar meu pensamento, 
Sentir em mim tu’alma, ter só vida
Pra tão puro e celeste sentimento:
Ver nossas vidas quais dois mansos rios, 
Juntos, juntos perderem-se no oceano —,
Beijar teus dedos em delírio insano
Nossas almas unidas, nosso alento, 
Confundido também, amante — amado —
Como um anjo feliz... que pensamento!?

Thiago de Mello


OS ESTATUTOS DO HOMEM

(Ato Institucional Permanente) 
A Carlos Heitor Cony 

Artigo I 
Fica decretado que agora vale a verdade 
agora vale a vida, 
e de mãos dadas, 
marcharemos todos pela vida verdadeira. 

Artigo II 
Fica decretado que todos os dias da semana, 
inclusive as terças-feiras mais cinzentas, 
têm direito a converter-se em manhãs de domingo. 

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante, 
haverá girassóis em todas as janelas, 
que os girassóis terão direito 
a abrir-se dentro da sombra; 
e que as janelas  devem permanecer, o dia inteiro, 
abertas para o verde onde cresce a esperança. 

Artigo IV 
Fica decretado que o homem 
não precisará nunca mais 
duvidar do homem. 
Que o homem confiará no homem 
como a palmeira confia no vento, 
como o vento confia no ar, 
como o ar confia no campo azul do céu. 
Parágrafo único: 
O homem confiará no homem 
como um menino confia em outro menino. 

Artigo V 
Fica decretado que os homens 
estão livres do jugo da mentira. 
Nunca mais será preciso usar 
a couraça do silêncio 
nem a armadura de palavras. 
O homem se sentará à mesa 
com seu olhar limpo 
porque a verdade passará a ser servida 
antes da sobremesa. 

Artigo VI 
Fica estabelecida, durante dez séculos, 
a prática  sonhada pelo profeta Isaías, 
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos 
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora. 

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido 
o reinado permanente da justiça e da claridade, 
e a alegria será uma bandeira generosa 
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor 
sempre foi e será sempre 
não poder dar-se amor a quem se ama 
e saber que é a água 
que dá à planta o milagre da flor. 

Artigo IX 
Fica permitido que o pão de cada dia 
tenha no homem o sinal de seu suor. 
Mas que sobretudo tenha 
sempre o quente sabor da ternura. 

Artigo X 
Fica permitido a qualquer  pessoa, 
qualquer hora da vida, 
uso do traje branco. 

Artigo XI 
Fica decretado, por definição, 
que o homem é um animal que ama 
e que por isso é belo, 
muito mais belo que a estrela da manhã. 

Artigo XII 
Decreta-se que nada será obrigado 
nem proibido, 
tudo será permitido, 
inclusive brincar com os rinocerontes 
e caminhar pelas tardes 
com uma imensa begônia na lapela. 
Parágrafo único: 
Só uma coisa fica proibida: 
amar sem amor. 

Artigo XIII 
Fica decretado que o dinheiro 
não poderá nunca mais comprar 
o sol das manhãs vindouras. 
Expulso do grande baú do medo, 
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal 
para defender o direito de cantar 
e a festa do dia que chegou. 

Artigo Final. 
Fica proibido o uso da palavra liberdade, 
a qual será suprimida dos dicionários 
e do pântano enganoso das bocas. 
A partir deste instante 
a liberdade será algo vivo e transparente 
como um fogo ou um  rio, 
e a sua morada será sempre 
o coração do homem. 

Santiago do Chile,  abril de 1964. 

THIAGO DE MELLO


FAZ ESCURO MAS EU CANTO

Faz escuro mas eu canto, 
porque a manhã vai chegar. 
Vem ver comigo, companheiro, 
a cor do mundo mudar. 
Vale a pena não dormir para esperar 
a cor do mundo mudar. 
Já é madrugada, 
vem o sol, quero alegria, 
que é para esquecer o que eu sofria. 
Quem sofre fica acordado 
defendendo o coração. 
Vamos juntos, multidão, 
trabalhar pela alegria, 
amanhã é um novo dia. 

Thiago de Mello


"Toada de ternura"
Para Leonardo, um menino meu amigo

Meu companheiro menino,
perante o azul do teu dia,
trago sagradas primícias
de um reino que vai se erguer
de claridão e alegria.

É um reino que estava perto,
de repente ficou longe,
não faz mal, vamos andando,
porque lá é nosso lugar.

Vamos remando, Leonardo,
porque é preciso chegar.
Teu remo ferindo a noite,
vai construindo a manhã.
Na proa do teu navio,
chegaremos pelo mar.

Talvez cheguemos por terra,
na poeira do caminhão,
um doce rastro varando
as fomes da escuridão.
Não faz mal se vais dormindo,
porque teu sono é canção.

Vamos andando, Leonado.
Tu vais de estrela na mão,
tu vais levando o pendão,
tu vais plantando ternuras
na madrugada do chão.

Meu companheiro menino,
neste reino serás homem,
um homem como o teu pai.
Mas leva contigo a infância,
como uma rosa de flama
ardendo no coração:
porque é da infância, Leonardo,
que 0 mundo tem precisão.

Santiago do Chile, novembo de 1964.

Pablo Neruda


TALVEZ

Talvez não ser,
é ser sem que tu sejas,
sem que vás cortando
o meio dia com uma
flor azul,
sem que caminhes mais tarde
pela névoa e pelos tijolos,
sem essa luz que levas na mão
que, talvez, outros não verão dourada,
que talvez ninguém 
soube que crescia
como a origem vermelha da rosa,
sem que sejas, enfim,
sem que viesses brusca, incitante
conhecer a minha vida,
rajada de roseira,
trigo do vento,

E desde então, sou porque tu és
E desde então és
sou e somos...
E por amor
Serei... Serás...Seremos... 

Pablo Neruda

Crédito/Fonte: http://www.vagalume.com.br/pablo-neruda/talvez.html#ixzz39XfhieCS

Pablo Neruda



É Proibido

É proibido chorar sem aprender,
Levantar-se um dia sem saber o que fazer
Ter medo de suas lembranças.

É proibido não rir dos problemas
Não lutar pelo que se quer,
Abandonar tudo por medo,

Não transformar sonhos em realidade.
É proibido não demonstrar amor
Fazer com que alguém pague por tuas dúvidas e mau-humor.
É proibido deixar os amigos

Não tentar compreender o que viveram juntos
Chamá-los somente quando necessita deles.
É proibido não ser você mesmo diante das pessoas,
Fingir que elas não te importam,

Ser gentil só para que se lembrem de você,
Esquecer aqueles que gostam de você.
É proibido não fazer as coisas por si mesmo,
Não crer em Deus e fazer seu destino,

Ter medo da vida e de seus compromissos,
Não viver cada dia como se fosse um último suspiro.
É proibido sentir saudades de alguém sem se alegrar,

Esquecer seus olhos, seu sorriso, só porque seus caminhos se
desencontraram,
Esquecer seu passado e pagá-lo com seu presente.
É proibido não tentar compreender as pessoas,
Pensar que as vidas deles valem mais que a sua,

Não saber que cada um tem seu caminho e sua sorte.
É proibido não criar sua história,
Deixar de dar graças a Deus por sua vida,

Não ter um momento para quem necessita de você,
Não compreender que o que a vida te dá, também te tira.
É proibido não buscar a felicidade,

Não viver sua vida com uma atitude positiva,
Não pensar que podemos ser melhores,
Não sentir que sem você este mundo não seria igual.

...Saudade é amar um passado que ainda não passou,
É recusar um presente que nos machuca,
É não ver o futuro que nos convida...

É assim que te quero, amor,
assim, amor, é que eu gosto de ti,
tal como te vestes
e como arranjas
os cabelos e como
a tua boca sorri,
ágil como a água
da fonte sobre as pedras puras,
é assim que te quero, amada,
Ao pão não peço que me ensine,
mas antes que não me falte
em cada dia que passa.
Da luz nada sei, nem donde
vem nem para onde vai,
apenas quero que a luz alumie,
e também não peço à noite explicações,
espero-a e envolve-me,
e assim tu pão e luz
e sombra és.
Chegastes à minha vida
com o que trazias,
feita
de luz e pão e sombra, eu te esperava,
e é assim que preciso de ti,
assim que te amo,
e os que amanhã quiserem ouvir
o que não lhes direi, que o leiam aqui
e retrocedam hoje porque é cedo
para tais argumentos.
Amanhã dar-lhes-emos apenas
uma folha da árvore do nosso amor, uma folha
que há-de cair sobre a terra
como se a tivessem produzido os nosso lábios,
como um beijo caído
das nossas alturas invencíveis
para mostrar o fogo e a ternura
de um amor verdadeiro.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Escrever, por exemplo: "A noite está estrelada,
e tiritam, azuis, os astros lá ao longe".
O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Eu amei-a e por vezes ela também me amou.
Em noites como esta tive-a em meus braços.
Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.
Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.
Posso escrever os versos mais tristes esta noite.
Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.
E o verso cai na alma como no pasto o orvalho.
Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.
A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.
A minha alma não se contenta com havê-la perdido.
Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.
O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.
Nós dois, os de então, já não somos os mesmos.
Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei.
Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.
A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos.
Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.
É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,
a minha alma não se contenta por havê-la perdido.
Embora seja a última dor que ela me causa,
e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.

Fernando Pessoa

Não sei ser triste a valer
Nem ser alegre deveras.
Acreditem: não sei ser.
Serão as almas sinceras
Assim também, sem saber?

Ah, ante a ficção da alma
E a mentira da emoção,
Com que prazer me dá calma
Ver uma flor sem razão
Florir sem ter coração!

Mas enfim não há diferença.
Se a flor flore sem querer,
Sem querer a gente pensa.
O que nela é florescer
Em nós é ter consciência.

Depois, a nós como a ela,
Quando o Fado a faz passar,
Surgem as patas dos deuses
E a ambos nos vêm calcar.

Está bem, enquanto não vêm
Vamos florir ou pensar.

Fernando Pessoa 
+ 03.04.1931

Augusto dos Anjos

ETERNA MÁGOA
 Augusto dos Anjos

 
O homem por sobre quem caiu a praga
Da tristeza do Mundo, o homem que é triste
Para todos os séculos existe
E nunca mais o seu pesar se apaga!

Não crê em nada, pois, nada há que traga
Consolo à Mágoa, a que só ele assiste.
Quer resistir, e quanto mais resiste
Mais se lhe aumenta e se lhe afunda a chaga.

Sabe que sofre, mas o que não sabe
É que essa mágoa infinda assim, não cabe
Na sua vida, é que essa mágoa infinda

Transpõe a vida do seu corpo inerme;
E quando esse homem se transforma em verme
É essa mágoa que o acompanha ainda!

terça-feira, 8 de julho de 2014

ESCOMBROS DA VERDADE


As cartas que escreveu, não são as cartas que gostaria de ter escrito. As que escreveu são cheias de dor, amarguras, ressentimentos... Retratam sentimentos machucados de um jovem inocente, que amava e por esta razão era cego. Mas o jovem, volta e meia, tem seus insights, como quem sonha acordado. O cérebro velho cede seu espaço ao novo e em cada novo instante de compreensão e aprendizagem, ele cresce. Mas o tempo avança e somam-se às incertezas, dúvidas que vão se avolumando em um campo imaginário, que só quem o possui pode chegar a este reservatório de ilusões, para querelar consigo mesmo, em busca da razão perdida, obra da cegueira conferida pelo amor.

A idade daquele rapaz já não é mais aquela dos primeiros tempos em que ser feliz era algo tão natural que nem se percebia o estar feliz. E da casa dos vinte ele pula para a casa dos trinta. O campo das ilusões agora é mais vasto e quanto mais dúvidas e incertezas e ausências de verdades ele percebe e sente, mais dolorida fica sua alma e o homem tropeça, tropeça mas não cai; seu senso de equilíbrio o mantém firme e aprumado e ele segue seu caminho pela vida, da vida que tem que ser vivida, não aquela sonhada nos tempos da inocência juvenil. Tal qual uma mulher posta entre o homem que deve amar e o homem que realmente ama e gostaria de ter. As sensações entre o ter e o ser entram em conflito. A vida é assim, mas há quem simplifique tudo e, por isto mesmo, os impactos dos contrastes são percebidos como amenidades.

E o tempo carrega ele para a casa dos quarenta, quando as ilusões começam a se diluir e as incertezas começam a ganhar contornos afirmativos; as dúvidas petrificadas começam a ser tocadas por alguém que precisa melhora-las, burilando-as, para que cessem os incômodos da alma.

Vem o tempo e o leva a casa dos cinquenta, quando ele já perdeu toda inocência e sem esta, dentro dele quebra-se o fino cristal, que sintetiza seu amor pela vida, tudo dentro de um frágil coração de menino adulto;

Seus sonhos se desfazem e a arca das boas recordações se parte, esmigalhando o coração...

Ele olha para trás e nada vê, salvo uma infinita tangente percorrida, chamada vida.

E o homem segue sua sina como fardo de tristeza aceita.
As cartas, que importam as cartas se o que escreveu era o que o moía por dentro?

O que restou foram escombros de verdades, como uma cidade destruída pela insanidade da guerra.

O jovem que chegou a casa dos cinquenta morreu por dentro, mataram-lhe toda a inocência e as cartas que não escreveu eram as que tinham real valor, só Carolina não viu.


Temos Deuses diferentes




As pessoas cansam. Um dia cansaram de mim, de você, de nós dois. Existe um um nó cego preso em nossas gargantas, que nunca conseguimos desatar.

Passamos por tudo isso, por tantas coisas parecidas. Mas tem um dia em que precisamos dar um tempo.

Devemos admitir que transformamos nosso convívio em um jogo louco e alucinado de projeções. Um jogo de culpas, sem culpados.

Eu fugindo de você e você fugindo de mim. O incômodo é que sempre fugimos para algum lugar, que não nos conduz a lugar algum.

Somos dependentes, não importa dizer, muito menos explicar o porque somos dependentes, embora você se julgue livre, como uma gaivota.

Agora tudo está nas mãos de Deus!



LLF



Jardins da Infância

NOS JARDINS DA MINHA INFÂNCIA, 
MORA UMA INOCENTE CRIANÇA
QUE SEMPRE VOA 
PARA O MESMO LUGAR; 
INCESSANTE, 
BUSCA ENCONTRAR, 
AQUILO QUE FOI 
E NÃO MAIS SERÁ.
NAQUELE LUGAR ENCANTADO, 
UM PEDAÇO DE  MIM
SE MOVE 
E NINGUÉM VÊ.
EIS  MEU MUNDO MÁGICO,
NÃO TEM TIJOLOS AMARELOS
E TUDO PARECE ESTAR DIZIMADO
TUDO, TUDO MORA NESTE GENTIL
LUGAR, ONDE NASCE A INOCÊNCIA
DOS TEMPOS DA MINHA AURORA.
TUDO ESTÁ NO JARDIM SECRETO 
CHEIO DE FLORES CAMPESTRES
DO UMBUZEIRO AGRESTE
ONDE MINHA ALMA
SONHOU A VIDA
E A VIDA OS SONHOS LEVOU
NO BALANÇO DA MINHA ILUSÃO

autor: LLF

T.S.Eliot



"As palavras movem-se, a música move-se. Apenas no tempo; mas o que apenas vive, apenas pode morrer. As palavras, depois de ditas, alcançam o silêncio. Apenas pela forma, pelo molde, podem as palavras ou a música alcançar o repouso, tal como uma jarra chinesa ainda Se move perpetuamente no seu repouso. Não o repouso do violino, enquanto a nota dura. Não isso apenas, mas a coexistência, ou digamos que o fim precede o princípio, e que o fim e o princípio estiveram sempre ali, antes do princípio e depois do fim. E tudo é sempre agora. As palavras deformam-se, estalam e quebram-se por vezes, sob o fardo, sob a tensão, escorregam, deslizam, perecem, definham com imprecisão, não se mantêm, Não ficam em repouso. Vozes estridentes ralhando, troçando, ou apenas tagarelando, assaltam-nas sempre. O Verbo no deserto é muito atacado por vozes de tentação, a sombra que chora na dança fúnerea, O clamoroso lamento da quimera desconsolada."


T.S. Eliot


"Burnt Norton" questiona de que adianta considerar o que podia ter sido e não foi. Há nele a descrição de uma casa abandonada, e Eliot brinca com a idéia que todas essas possíveis realidades estão presentes simultaneamente, mas invisíveis para nós: todas as formas de atravessar o jardim se transformam numa vasta dança que não podemos ver, e crianças que não estão ali se escondem nos arbustos. Burnt Norton é uma casa de campo situada em Cotswold Hills, na cidade de Gloucestershire, Reino Unido."

in Wikipédia